terça-feira, 23 de outubro de 2007

O Samba é nosso espírito, nossa alma... é nossa cultura!

Baluarte: Hélio Romão de Paula - O Hélio Bagunça!
(1935-2007)

Foto: Edson (Unegro) / 2004

Salve, salve gente boa gente do samba! Chegamos a mais uma celebração de mais um ano de luta, desta feita o 9º (nono), do Movimento Cultural PROJETO NOSSO SAMBA de Osasco. E não tem sido fácil! Mas o que importa é que seguimos firmes fazendo aquilo que cremos ser, nada mais que, nossa obrigação, a saber: zelar pelo que é nosso. E nosso é o samba que é nossa cultura, nossa identidade, que marca nossos costumes, enfim, substancia a nossa vida, o nosso viver, posto que é o nosso espírito – a nossa alma – que zela por nós que por ela zelamos.


Verde, amarelo, azul e branco, são as cores que estampam o pavilhão! – Foto: Jucélia Pereira / 2003

Alma – é isto o que o samba é. E assim como, por exemplo, os maracatus, candomblés, jongos, congados, carimbós, capoeiras, etc. também o samba é muito mais que musicalidade, mais que música que comumente é compreendida de modo equivocado e superficial, esvaída da essência que lhe é dada pelo conjunto dos outros elementos (valores) que constituem a cultura. Deste modo, o samba, queda reduzido de cultura a gênero musical meramente. Ora, a música (a musicalidade) é apenas um dos elementos constituintes do conjunto de valores denominado cultura, aos quais permeia e por eles é permeada.

O que queremos dizer com isto? Muito simples! Alma e cultura são sinônimos. A propósito, vamos a algumas definições conceituais:

Segundo o dicionário - cultura é: ato, efeito de cultivar, desenvolvimento intelectual, saber; utilização industrial de certos produtos naturais; estudo, elegância; esmero; conjunto dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores morais e materiais, característicos de uma sociedade; civilização (http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx);

Para a Filosofia - cultura é o conjunto de manifestações humanas que contrastam com a natureza ou comportamento natural (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura);

Para as Ciências Sociais, cultura - (latu sensu) é o aspecto da vida social que se relaciona com a produção do saber, arte, folclore, mitologia, costumes, etc., bem como à sua perpetuação pela transmissão de uma geração à outra (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura);

Já para a Sociologia - o conceito de cultura tem um sentido diferente do senso comum. Sintetizando: simboliza tudo o que é apreendido e partilhado pelos indivíduos de um determinado grupo e que confere uma identidade dentro do seu grupo de pertença. Na sociologia não existem culturas superiores, nem culturas inferiores pois a cultura é relativa, designando-se em sociologia por relativismo cultural, isto é, a cultura do Brasil não é igual à cultura portuguesa, por exemplo: diferem na maneira de se vestir, na maneira de agir, têm crenças, valores e normas diferentes... isto é, têm padrões culturais distintos (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura);

E, para a Antropologia - cultura é entendida como a totalidade de padrões apreendidos e desenvolvidos pelo ser humano. Segundo a definição pioneira de Edward Burnett Tylor, sob a etnologia (ciência relativa especificamente do estudo da cultura) a cultura seria “o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Portanto, corresponde, neste último sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração para geração que, à partir de uma vivência e tradição comuns, se apresentam como a identidade desse povo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura).

Bem, de forma sintetizada, estas são algumas definições de cultura segundo algumas áreas do conhecimento. Com isso, mais o que apreendemos da nossa própria história de vida e da história dos nossos em pertença, podemos dizer e afirmar que todos os povos, todas as pessoas, possuem cultura. Logo, todo indivíduo é possuidor de cultura, pois pertence a um grupo de indivíduos; e a vida em grupo demanda regras e normas de conduta que pautam todas as ações/relações e zelam por uma boa e saudável convivência.

A fim de melhor expressarmos o que foi dito: o grupo de indivíduos constituído pelo Projeto Nosso Samba possue uma identidade que é nossa, particular, e que nos difere de outros grupos de indivíduos como, por exemplo: a Comunidade Samba da Vela, o Projeto Cultural Samba Autêntico, o Projeto Samba de Terreiro de Mauá, o Projeto Samba de Todos os Tempos, o Terra Brasileira, o Terreiro Grande e outros mais, cada qual com sua identidade, com sua particularidade. E é justamente o conjunto de elementos característicos e próprios de cada grupo que o diferencia dos demais e, conseqüentemente, faz aproximarem-se os indivíduos que lhe são internos, dando-lhes uma identidade própria e singular. Tais elementos implicam os costumes, o jeito de ser, os hábitos, os valores adotados e que marcam e são marcados pelo dia-a-dia, pelo cotidiano. É óbvio que muitos grupos possuem características comuns que os aproximam constituindo, então, um grupo maior marcado por uma universalidade dada pelas tais características gerais - é o caso dos exemplos utilizados, todos do samba.

Mudando de escala, não é demais lembrarmos que, p. e., os grupos humanos originários de África e seus descendentes pelo mundo, são bastante diferentes entre si, porém iguais quando comparados com outros grupos humanos de origem: européia, asiática, ameríndia e da oceanía e seus respectivos descendentes pelo mundo e que também são internamente diferentes entre si e, todavia, iguais quando comparados com cada um dos demais grupos humanos.

A essas diferenças e igualdades correspondem diversificadas e semelhantes visões de mundo, todas válidas. Não há uma que seja naturalmente hegemônica, o que há é uma construção ideológica de uma hegemonia que impõe a cosmovisão ocidental judaico-cristã a tudo e a todos, aplicando a coisas bastante distintas uma solução única guiada por uma forma de interpretação única – uma fábula.

M. C. Projeto Nosso Samba em apresentação no SESC Piracicaba – Foto: Regyna Santtos / 2003

Assim, no intuito de desvelar a tal fábula, o Movimento Cultural PROJETO NOSSO SAMBA de Osasco chega aos 9 (nove) anos de idade celebrando a continuidade da incansável luta de resistência, afirmação e manutenção da cultura, da identidade do povo Afro-Brasileiro, travada cotidianamente desde a chegada do primeiro contingente de africanos escravizados na Terra Brasilis. Foram e são muitos guerreiros, muitas guerreiras que compuseram e compõem as diversas frentes representadas pelos maracatus, candombes, candomblés, catimbós, capoeiras, umbandas, congados, tambores de mina e ainda muitos outros dentre os quais os sambas espalhados por todos os cantos do Brasil.

Nós da frente formada pelo Movimento Cultural PROJETO NOSSO SAMBA de Osasco, uma das muitas constituídas pelo samba, fazemos questão de manter a nossa bandeira, que é a do samba, hasteada o tempo todo e não ocasionalmente. Como já foi dito, o samba é nossa cultura, logo, é nossa alma e - sem alma não há vida – sem ela não vivemos.

Devemos nos reverenciar a nós mesmos... e aos nossos: nossa linhagem – Foto: Edson (Unegro) / 2004

São muitas as referências; muitos os exemplos nos quais nos miramos e dos quais destacamos, um, aqui e agora: Hélio Romão de Paula, o Seu Hélio, o Tio Hélio, o Hélio Bagunça! Figura reta, impar, exemplar. Foi um batalhador, brigou muito pelas coisas da nossa gente boa gente preta. O baluarte nos deixou neste ano de 2007, partiu para tornar-se um ancestral. Mas nos deixou reforçada a idéia de que cultura é alma e que, portanto, é algo que não se vende; do qual não se desprende e cujo sentido só é mensurado e, realmente, importa a ninguém mais do que o seu portador. Afinal por que motivo alguém desejaria a alma de outro?

A memória de Hélio Bagunça é aqui evocada com um propósito: o de reforçar a importância de se conhecer nossa própria história e a de nossa gente, pois é daí que nos vem a substância que nos torna plenos – inteiros. Só podemos nos fortalecer a partir de nós mesmos e dos nossos. Não adianta querermos buscar a essência dos/nos outros, por mais que de alguma forma nos sejam referência. Acontece que as referências até podem, mas, em hipótese nenhuma devem nos chegar mediadas pela cultura industrializada: a cultura tornada coisa vendável – mercadoria. Temos que nos libertar.

Para ser bem explícito, somos, a exemplo de muitos companheiros (as), paulistas, de nascimento ou não, vivemos em São Paulo, não somos cariocas (ou fluminenses). Devemos sim conhecer e reverenciar aos irmãos de samba de todos os cantos, aos mestres, os números baixos (os anciãos – a velha guarda) onde quer que estejam e de onde quer que eles sejam; mas, principalmente, devemos nos reverenciar a nós mesmos e aos nossos.

O estandarte e o Baluarte Hélio Bagunça (Homenagem em vida) – Foto: Jucélia Pereira / 2003

Para tanto, insisto, devemos buscar conhecer a nossa história própria, a história daqueles (as) que nos cercam, vivem ou viveram em nosso entorno mais imediato: o nosso entorno da vida - o entorno da nossa vida. É preciso que conheçamos; faz-se necessário que saibamos mais de nós mesmos e dos nossos para que possamos dar continuidade à nossa linhagem. Temos a responsabilidade de melhor conhecer a nós mesmos para seguirmos, darmos seguimento, garantirmos o nosso futuro que será vivido e vivenciado pelas gerações futuras as quais receberão de nós, para que ponham suas marcas, o legado que recebemos com a marca de nossos antecessores e no qual temos agora que colocar a nossa marca, pois só assim seguiremos mais e mais fortalecidos – fortes. Somos nós, não somos os outros; somos os nossos, não somos os dos outros. Caminharemos muito mais e melhor a partir de nossa própria história. Não se trata de negar e nem desrespeitar a história do outro.

Esta é a mensagem do Movimento Cultural PROJETO NOSSO SAMBA de Osasco neste ano da celebração de seus nove anos de existência guerrilheira. Saudações Sambísticas!¨

Selito SD