sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003

O Samba bate outra vez

A família PNS (foto: PNS/02)


...................................................Ponte Preta, janeiro 2.002

Aconteceu com grande entusiasmo a primeira roda do Projeto Nosso Samba no domingo 26 de janeiro. A roda que começou um pouco atrasada, contou com a participação da comunidade e recebeu convidados que atuaram de maneira muito particular na história do samba paulista: Hélio Bagunça (Camisa Verde ) e o Tião Preto(Vila Virou).

Os integrantes do PNS estavam com uma afinação sem igual, levando sambas belíssimos e tradicionalmente cantados nas rodas do projeto.

Uma das motivações particulares para alguém se dispor a visitar o PNS é conhecer a dedicação dos integrantes pela execução dos sambas da velha e nova guarda junto com a oportunidade de desfrutar o convívio poético com os compositores do projeto. O entusiasmo do grupo, contagiou a todos.

As rodas sempre tem um direcionamento musical, que foi alterado pela presença do surpreendente sambista Hélio Bagunça. Ele que cantou sambas das velhas guardas da escola Camisa Verde e Portela e do compositor portelense Paulo César Pinheiro, em três vezes se repetiu exaltando sua escola de coração, o partido de paixão declarada a Escola de Samba Camisa Verde e Branco. Todo indivíduo que viveu intensamente a vida, principalmente no samba, tem muitas estórias pra contar. No caso do Sr. Hélio é muito envolvente ouvir o relato de suas experiências e atitudes nem sempre compreendidas e até mesmo questionáveis ( ele tem uma fala que não aceita discordância), exibiu ginga ao dançar, exibiu poesia ao cantar, exibiu dignidade ao narrar passagens de sua estória no mundo do samba.

O também portelense Tião Preto, mandou belíssimos sambas do Paulinho da Viola e da sua querida Portela, antes que deixasse a roda, mandou com todo seu encantamento o magnífico samba-enredo sobre a guerra de Canudos da escola de samba Em Cima da Hora (Marcados pela própria natureza) Este samba junto com o imperiano, Heróis da Liberdade de Silas de Oliveira, são composições com tamanha inspiração poética e compromisso histórico que deveriam ser cantados em toda roda de samba, mostrando a resistência dos oprimidos da nossa história, deveriam ser ouvidos em pé com uma marcação de arrepiado silêncio.

O Projeto Nosso Samba , começará o ano arrasando, participando do programa carnavalesco do SESC Ipiranga, no programa ‘Sambas de Bumbo e Bambas do Samba’, onde pela primeira vez estarão atuando conjuntamente os novos terreiros de samba paulista junto com o ignorado ‘samba rural paulista’. Aqui cabe um esclarecimento cultural.. Todos nós tivemos uma formação, através da indústria cultural e não das vivências em terreiros ou das quadras das escolas de samba, perdemos uma qualidade essencial da nossa cultura popular, que é estudar, compreender, e valorizar a história cultural dos oprimidos na cidade de São Paulo. Estes oprimidos escravos e imigrantes forjaram involuntariamente nas periferias de São Paulo, uma prática musical e religiosa (as romarias) desenvolvidas em ambientes deliberadamente isolados, econômica e urbanisticamente. Só para exemplificar, todas as manifestações musicais populares eram vigiadas pela polícia e seus integrantes fotografados e devidamente fichados. Não devemos esquecer que, carregar violão em punho, foi sinônimo de vadiagem e portanto de prisão

A roda foi encerrada com uma intervenção histórica do Sr. Hélio, que expôs as relações dos diferentes grupos de tiririca sejam da Barra Funda, da Praça da Sé ou do Largo da Banana. O que importa é que todos eram sambistas em sua essência, com uma atuação assinalada pela perseguição policial a qualquer manifestação popular. Entre os limites da memória, recuperou-se a estória da extinta escola Unidos dos Campos Elíseos, de uma época onde para se atravessar a cidade e, após o trabalho fazer uma roda de samba na esquina, se levava o tamborim embrulhado em jornal, junto com a marmita, escondido da polícia. Toda vez que um surdo bate novamente o toque de reunir, sopramos a brasa da memória de todos aqueles que anonimamente deram vida ao samba, possibilitando de alguma maneira, expressar com força, a poesia dos oprimidos.
.......................................................Rubens Grego (Rubão)

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