quarta-feira, 30 de abril de 2003

Carlão do Peruche

Carlos Alberto Caetano, o Carlão do Peruche, é um sambista que habitou os mais tortuosos e espinhentos caminhos do roçado do bom Deus. Ele não só conhece todos os becos, todas as esquinas onde haveria uma batucada, como empenhou sua vida, sua disciplina, sua dedicação para elevar o respeito, a dignidade para com o samba paulista. Não existe escola de samba, bloco de sujo, bloco de esfarrapado, escolas que surgiram e desapareceram, que não puderam contar com a camaradagem do Carlão.

Conhecedor absoluto das quebradas do mundaréu, lá onde a praga bota os ovos, lá onde a dor é constante, lá onde ficam os desamparados de nossa terra, em alguma esquina, nas madrugadas hoje sem garoa... Onde pode-se encontrar um grupo de rapazes com um surdo, um repique, um cavaco e um tamborim, resistindo e levando a alegria no coração das pessoas simples.

Na geografia das escolas paulistas, todas as escolas de samba de norte a sul de São Paulo, contaram com a visita amiga e sempre positiva do Carlão. Sem falar da sua fiel amada, a escola de Samba ‘Unidos do Peruche’. Durante os tempos sombrios da ditadura militar, Carlão integrou o grupo teatral que ficou conhecido como ‘O Bando’ do Plínio Marcos. Este ‘Bando’, termo pejorativo, era formado por um grupo de compositores de escolas de samba, entre eles Geraldo Filme, Talismã, Toniquinho Batuqueiro, que representavam personagens no espetáculo ‘Barrela’ de Plínio Marcos.

O espetáculo que se passava no interior de uma cadeia, era uma oportunidade para se denunciar a brutalidade de nossas condições carcerárias, sempre presente nos trabalhos do Plínio e como todos sabemos, nas prisões brasileiras até hoje, só encontramos pretos e pobres. Quando o espetáculo era proibido pela polícia de ser apresentado, tornava-se uma roda de samba.

A roda de samba era uma oportunidade daqueles sambistas mostrarem seus trabalhos e uma oportunidade para o Plínio debater com o público e fazer denúncias sobre as perseguições que todos os artistas sofriam. Este ‘Bando’ era visto distribuindo nas ruas do centro e periferia, filipetas de divulgação do espetáculo juntos atores e compositores, sempre seguidos de perto pela polícia política.

Era um tempo de resistência e o Carlão novamente, mostrando sua firmeza, sua paciência, sempre dando ao samba , a dignidade que o samba merece. Ele tem muitas estórias que vêm desde o tempo das romarias para Pirapora, dos bailões nos porões do Bexiga, da Banda Bandalha, depois a Banda Redonda, Escola de Samba Lavapés, o Bloco dos Esfarrapados do Armandinho do Bexiga e todos aqueles que tentavam tomar as ruas de volta para o povo. Ele tem sua estória escrita nas calçadas de São Paulo, junto a todos aqueles que pisaram firme o chão de nossa cidade clamando justiça.

A justa homenagem que o programa, Sambas de Bumbo e Bambas do Samba, que o SESC IPIRANGA faz a este senhor e a todos os grupos e comunidades participantes, é uma possibilidade histórica de reparar-se uma injustiça com a história de nossa cultura popular e permitir que todos aqueles que amam a cultura popular, conhecer este homem lendário, cidadão samba, titulo que muito o honrou, construído entre a gente simples do nosso povo.

Quando o pessoal descobria onde estava tendo um samba bom, o Carlão do Peruche, já tinha estado lá há muito tempo! Esse é o Carlão!
Rubens Grego (Rubão)

Perfis do PNS II/Paulinho do Cavaco

O Paulinho é um sujeito muito paciente, educado ou seja, possui as condições para ser um músico do povo, para atender e alegrar a nossa gente tão maltratada. Como ninguém é perfeito o nosso entrevistado é torcedor do São Paulo e do Fluminense, nascido em Marabá Paulista, nas barrancas do rio Paranapanema, na região de Presidente Prudente.

Mudou-se para São Paulo, vindo residir na região oeste, no bairro do Jaguaré, Rio Pequeno. Foi bicando em outros músicos que o Paulinho resolveu tocar cavaquinho e conseguiu logo um cavaquinho xadrez, formou o grupo Acalanto que contou com os seguintes músicos: Paulinho (cavaquinho), Caio Prado(banjo),Fabio (rebolo), Wilsinho (pandeiro), Orlando( violão), Gigio (surdo), Arthur (reco-reco), Edu (contrabaixo).

Participou de disputas de samba na quadra da escola Unidos do Peruche, organizadas pelo JB bar da Waldemar Ferreira, apresentaram seus sambas na quadra, junto a Moisés da Rocha e Evaristo de Carvalho.

Portanto, muito respeito quando vocês encontrarem um sujeito baixinho, hoje osasquense, com boné de malandro abraçado a um cavaquinho, autor de mais de quarenta sambas, uma pessoa que jamais nega um acorde, uma melodia, capaz de atender os pedidos surpreendentes de tudo quanto é 'desalmado da garoa'. É um tipo surpreendente, mantém a tradição dos maiores artistas do povo, gente como Jair do Cavaquinho, Manacéa, Casquinha, Alberto Lonato, Chatim, Coringa e tantos músicos adoráveis que só a nossa terra pode gerar.

Os músicos de cordas, são a verdadeira alma da musica brasileira, observando nas rodas de samba, os tocadores de cavaquinho, estão entre os homens mais ternos e delicados de uma irmandade musical profunda que são: o samba e o choro. Cientes, que são a alma do samba, esses músicos, tomam o cuidado de tirar suavemente os acordes musicais e espetá-los diretamente no coração dos participantes da roda de samba. Os tocadores de cavaquinho, eternizam as alegrias e mágoas de qualquer rejeitado do mundo, eles que conseguem fazer as pessoas sorrirem , sonharem com a imagem sonora do cavaquinho.

O cavaquinho, traz sempre felicidade a todos, traz esperança e sonho de amor eterno. A rapaziada do projeto Nosso Samba, fez um esforço 'imenso' para passar uma tarde de sábado, entre loiras 'suadas' e 'branquinhas' baixinhas, entrevistando o músico e poeta Paulo Pontes. O encontro realizado no botequim do Toninho no Jardim Umarizal. Presentes nesta entrevista os sambistas: Wagner Alves, Robério, Biulla, SelitoSD, Marcelo B., Ninão, Gutão, Paquera, Emerson Urso, Enéas Marques, aparecendo de surpresa o incrível poeta Caio Prado. Esta entrevista foi 'psicografada' pelo bicudo Rubão.

Wagner Alves - Como é o samba para você ?

PP - Na minha terra, tem grandes bambas, mas hoje estão no esquecimento, foram duramente perseguidos, por defender uma arte, uma causa nobre. Salve a velha-guarda de São Paulo, o meu respeito e gratidão pelas obras que deixaram.

Paquera - A musica tem algum poder?

PP - Tomara que o poder da música, soe como um encantamento. E assim serei o dono dela, eu lhe darei o universo, pintarei uma aquarela que represente o amor. Vieste ao mundo para ser a minha amada, adorada do princípio ao fim.

Robério - O que é uma grande roda?

PP - O samba que alimenta a inspiração, com pandeiro e tamborim, bem serenados. Cabrochas saltitando no botequim.

Caio Prado - O que você pensa da cultura popular?

PP - Nem só no morro tem samba, compositores e bambas, partido e versos de improviso. O asfalto também apresenta uma boa qualidade musical. Muito além do desfile de carnaval, a cultura não escolhe lugar para nascer.

SelitoSD - O que é uma madrugada?

PP - É a aurora rompendo, é o alvorecer. É como o encontro das águas, entre o rio e o mar. O meu universo, as estrelas em tempo de lua cheia, é o samba se juntando com o jongo no terreiro.

Biulla - É duro viver da 'madrugada'?

PP - Este meu instinto libertário, é que me fez decidir. Não mais ficar atado ao casamento, já que pra mim é tormento. Viver sem a boemia, já disse pra nega que lamento, que não dá mais, não agüento ficar longe da orgia.

Emerson Urso - Qual seu compositor preferido?

PP - Do Morro de Mangueira, desciam Carlos Cachaça, Cartola e com "Prazer" Heitor, iam levar poesia a toda sociedade. Porém, essa gente não sabia, que nas veias desses homens, corria a mais nobre cultura. Ao ouvir cartola relembro os sambas autênticos de outrora, tocados com simplicidade, nas cordas do seu violão, poesia dos tempos idos, exaltadas na forma de canção. A mangueira não morreu, nem morrerá, isto não acontecerá. Teu seu nome na história, Mangueira tu és um cenário coberto de glórias.

Biulla - Você se referiu ao Cartola, mas qual sua verdadeira escola de samba?

PP - Portela, seu manto azul é o meu céu, trazendo as suas pastoras e os seus estandartes de ouro, orgulho de toda uma nação.

Robério - O sofrimento de amor passa?

PP - Estou bem mais ciente, mas antes não entendia. A vida me ensinou a superar..a covardia. Ela levou toda a nossa tralha, bancou a canalha. Me deixou sem eira, nem beira. Ela abusou, fez papel de louca. A nega pelou meu bangalô, levou ' echarpe' que eu dei a ela, todo móvel de primeira, a porcelana chinesa levou, levou o tapete importado, um tremendo prejuízo , o barraco do avesso virou, levou minha paz e o meu sossego.

Enéas Marques - O que mais satisfaz ao poeta?

PP - Colar minhas mãos ao teu corpo. Me sentir envolto com tanto prazer. Prazer é ter você, poder te ver feliz. O nosso amor eu comparo, ao gosto de um beijo, que insinua e aumento os nossos desejos.

SelitoSD - Você jura eterno amor?

PP - Jurar é fácil. Cumprir é que as vezes não dá. Nessa vida eu aprendi, que ' jurar fácil dá castigo'.

Paquera - E quando aparece um sujeito desagradável, inconveniente 'numa noitada'?

PP - Eu tenho a madrugada e o meu violão. Não é você que vai tirar minha inspiração!

Caio Prado - Poeta vive de sonho?

PP - A realidade chegou em mim, tarde demais. Na juventude fui um grande sonhador. Procurei liberdade, sem pensar no amanhã. Hoje não tenho mais ninguém ao meu redor. Ando vagando sem saber qual o destino, em desalinho deixo a vida me levar. Feito criança abandonada, a mocidade eu não posso retornar.

Biulla - O que é uma madrugada?

É a aurora rompendo, é o alvorecer. É como o encontro das águas, entre o rio e o mar. O meu universo, as estrelas em tempo de lua cheia, é o samba se juntando com o jongo no terreiro.

Wagner Alves - Os poetas são sinceros?

PP - Já fui torturado pelo tempo, as rugas e amarguras foram os meus 'troféus', cansei de tropeçar em falsas juras, depois de tantos desvios sou merecedor de um amor sincero.

Ninão - Como um poeta do povo, como você vê a situação atual do Brasil e do povo brasileiro?

PP- Vejo a maior desavença na cara do povo. Não é culpa do povo. Que culpa tem essa gente? Trabalho dobrado,salário minguado. O pão custa caro, que carne, que nada! Os donos do mundo ignoram essas faces. E os pobres guerreiros na dura batalha. É um mar de angústia, vergonha, tristeza. Cadê meu Brasil? A sua riqueza? Favelas, cortiços, o meu povo chora. De fome e de dor, por aí afora.

Gutão - Como poeta você presenciou uma cena triste?

PP - A nega Benta, com a rodilha na cabeça, carregando lata dágua pro coroné se 'banhá'. O vento sopra, o canaviá 'dobra', mas não cai ladeira abaixo. É mais um dia que se vai, é só poeira que sai, da estrada que leva pro rio. Nega Benta está cansada. A sua labuta não tem fim.

Gutão - O que você pensa de todos esses caras metidos a 'espertos', sempre chegando nas situações para tirar proveito, até mesmo em roda de samba. O que você pensa destes verdadeiros 'piolhos'?

PP - Quanta conversa fiada, o Mané no meio de bambas soltou. Seu ápice é ' boi com abóbora'. Porque o restante deveria guardar. O seu semancol é ridículo demais, não usa, pois tem dó de gastar, não há criatura no mundo, que suporte o Mane discursar. Agora ele enlouqueceu, quer entrar na política, até se diz marxista, tudo pela igualdade social. Vive sempre pedindo um qualquer, quer ajuda na sua campanha, da ultima vez que tentou, ele quase apanha. Quanta conversa fiada...

Biulla - Quais os tipos mais curiosos que você encontrou pelas 'quebradas do mundaréu, como dizia o saudoso Plínio Marcos?

PP - Dona Filó fofoqueira, mulher de língua comprida. Vive em terreiro alheio, sempre armando intriga. Exterminadora de lares, correio da má notícia, é o terror da vizinhança, em tudo ela mete o bedelho?

Marcelo - Aqui em Osasco, notamos a presença brutal de 'trabalhadores' excluídos socialmente, uma verdadeira situação de exclusão social. O que você pensa desta situação?

PP - Ainda hoje de manhã, tive um pressentimento, senti a brisa mansa embalada pelo vento. A calmaria me dizia que algo iria acontecer. Pois ' Chico bala na agulha', acabara de voltar de uma grande reclusão. Que o tirou do lar de Rosa, foi então que o tal do Chico, percebeu o ocorrido, sua Rosa já tem outro, ela havia lhe traído. Sem moral, sem teto e sem mulher, com o peito em desalinho e somente o que restou de Rosa foram os espinhos. O Robin Hood do Morro, foi mais um 'herói' que tombou no morro. É o preço da fama, ele comandava, sua palavra era ordem, decreto, mandou reformar a escola, a sedinha e a creche, até um hospital, doava alimentos, enchia de presentes as crianças quando era Natal. Mas a notícia desceu ao asfalto e entrou no DP e o dr. Delegado conduziu a diligência. O morro foi invadir, a 'lei do asfalto' é clara. Robin Hood no morro não pode existir.

Biulla - Qual a situação mais esquisita que você encontrou no samba e quase perdeu o 'cavaquinho'?

PP - O pagode na casa de Dora, mulheres corriam pra dentro e os homens corriam pra fora. É que o nego Faísca, chegou pra arrumar escarcéu. Nem sequer foi convidado, ficou louco de dedéu. Sacou o seu parabelo e houve corre-corre, tanta confusão, que até o Joça na latrina saiu correndo com as calça na mão. Chico Roque Juazeiro, percebendo a armação, viu que o ferro do Faísca, não tinha munição. Deu-lhe um sopapo certeiro, que nego Faísca virou pelo avesso, ficou sem rumo, sem prumo e sem guia, perdeu o pivô e até o endereço. Foi um tremendo salseiro.

Marcelo - O poeta Vinícius de Moraes, afirmou em uma crônica que São Paulo seria o túmulo do samba, depois fez um samba lindo com o Adoniram Barbosa 'Bom dia, tristeza', que inclusive foi gravado pelo saudoso Roberto Ribeiro da Serrinha, uma gravação de arrepiar. Que você pensa sobre tudo isso?

PP - Quem pensa que São Paulo é só garoa, não reparou. Que essa terra é muito mais. Tem samba bom, tem sim, No Bexiga eu vi que a folia é verdadeira. E não já quem confunda, lá na Barrafunda. E vou pra vila Madalena, terreiro que dá gosto, lá muitos bambas encontrei. Em Osasco tem o Projeto Nosso Samba!

SelitoSD - Você já perdeu amor por causa do 'samba?

PP - Ela abandonou minha ala, alegando que eu não lhe dei carinho. Em meio à euforia da escola, na grande vitória eu me senti sozinho. Todos foram para a quadra, festejar a noite inteira e eu me senti, um mestre-sala sem porta bandeira.

SelitoSD - Todo poeta tem sempre uma mulher esperando?

PP - A nega pula de satisfação quando chego em casa cedo. Vem e faz um chamego, até me faz cafuné. E diz: "Nego não minta pra mim!" Porém tudo aquilo que faço, eu faço pensando em ti. Quando estou pensativo, sentindo a tua ausência, passo a mão no pinho e afasto toda a tristeza.

Wagner Alves - Você jura eterno amor?

PP - Jurar é fácil. Cumprir é que as vezes não dá. Nessa vida eu aprendi, que ' jurar fácil dá castigo'.

Gutão - Como poeta você presenciou uma cena triste?

PP - A nega Benta, com a rodilha na cabeça, carregando lata dágua pro coroné se 'banhá'. O vento sopra, o canaviá 'dobra', mas não cai ladeira abaixo. É mais um dia que se vai, é só poeira que sai, da estrada que leva pro rio. Nega Benta está cansada. A sua labuta não tem fim.

Marcelo - O poeta e compositor Paulo Leminski, tinha uma afirmação interessante sobre os tipos humildes dos subúrbios. Ele inclusive chamava isso de 'ataque à João Antonio' - São os acometidos desse mal crêem-se jogadores de sinuca, malandros da noite e velhos boêmios. Alguns tentam se parecer com Adoniram Barbosa. Quando alguém disser "literatura é um corpo-a-corpo com a vida", esteja certo: Ali alguém está sofrendo do Mal de João Antonio. Vivem normalmente de uma dieta de Gorki e Lima Barreto. O melhor modo de curá-los é convidá-los para uma partida de sinuca. O que você pensa disso, inclusive lembrando que o formidável escritor João Antonio, do bairro de Quitaúna em Osasco?

PP - Ainda hoje de manhã, tive um pressentimento, senti a brisa mansa embalada pelo vento. A calmaria me dizia que algo iria acontecer. Pois ' Chico bala na agulha', acabara de voltar de uma grande reclusão. Que o tirou do lar de Rosa, foi então que o tal do Chico, percebeu o ocorrido, sua Rosa já tem outro, ela havia lhe traído. Sem moral, sem teto e sem mulher, com o peito em desalinho e somente o que restou de Rosa foram os espinhos. O Robin Hood do Morro, foi mais um 'herói' que tombou no morro. É o preço da fama, ele comandava, sua palavra era ordem, decreto, mandou reformar a escola, a sedinha e a creche, até um hospital, doava alimentos, enchia de presentes as crianças quando era Natal. Mas a notícia desceu ao asfalto e entrou no DP e o dr. Delegado conduziu a diligência. O morro foi invadir, a 'lei do asfalto' é clara. Robin Hood no morro não pode existir.

Fabio - Quais os tipos mais curiosos que você encontrou pelas 'quebradas do mundaréu, como dizia o saudoso Plínio Marcos?

PP - Dona Filó fofoqueira, mulher de língua comprida. Vive em terreiro alheio, sempre armando intriga. Exterminadora de lares, correio da má notícia, é o terror da vizinhança, em tudo ela mete o bedelho!!

Gutão - Todo mundo do projeto sabe que você é um 'boca nervosa', um faminto desesperado, um famélico da terra, como essa particularidade sua aparece nos sambas?

PP - Todo final de semana, eu me dirijo pra lá. Na casa da Esmeraldina, da sua muqueca eu quero provar. É da terra de Caymi, tem a magia do tempero em suas mãos. E lá tem também tem partideiro, e o samba como é bom! Tem caldo de feijão, sarapatel, carne de bode na brasa é praxe cerveja gelada. Não tem hora pra acabar, e a folia vai romper, o amanhecer, todo mundo, já vai lá pernoitar, é por isso que eu vou levar você. Essa nega tem 'brevet' de fogão.

Wagner Alves - Como foi sua convivência com a região da Boca do Lixo, da gafieira 'Som de Cristal'?

PP - O trinta e cinco, vinha da praça do correio, trazendo a nega ao encontro do Benedito, corria o trecho da avenida são João, ele passava ali na Lapa, na estação. O endereço era a rua Rego Freitas. Era ali, naquela famosa gafieira, praticamente o 'habitat' de Benedito, conhecedor como pouco das danças de salão e pra facilitar a sua nega era a primeira passista da nossa grandiosa Camisa Verde e Branco.

Gutão - Como são seus parceiros no Projeto Nosso Samba?

PP - Na mesma folia do samba. Levamos uma vida de bamba, esperando a estrela da sorte, brilhar o seu lado mais forte. O meu era mais a caneta, os versos, as rimas, as poesias. Amigos de farra e de onda. Amigo em uma qualquer, varria a noite inteirinha, ao lado de uma bela mulher.

Caio Prado - É bom ser poeta?

PP - Humildemente eu vou. Eu, a caneta e o samba. Os versos e as rimas de bamba. Eu, a caneta e o samba. Esta entrevista também pode ser resumida pelo samba de Joel de Almeida: A primeira escola (Pereira Mattos & Joel de Almeida). A primeira escola de samba, surgiu no Estácio de Sá,/ eu digo isso e afirmo e posso provar/, porque existiam naquele tempo/, os professores do lugar Mano Nilton, Mano Rubem e Edgar e ainda outros que eu nem quero falar/. Depois surgiu a Favela, Mangueira e mais tarde a Portela/ e ainda faltam muitas outras, peço me desculpar por não falar,/ há não ser Vila Isabel, em homenagem ao saudoso Noel.
Rubão
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O que ler:
Lima Barreto - Clara dos Anjos, Ed. Brasiliense;
Maximo Gorki - A mãe, ed. Abril;
João Antonio - Abraçado a meu rancor, ed. Rocco

Perfis do Projeto Nosso Samba[1] - Gutão

Luiz Augusto Carvalho (Gutão). Foto: PNS/03

Existe no projeto nosso samba, um rapper que tem extrema agilidade de versejar, por mais estranho que pareça, culturalmente estou com Tinhorão[2], quando ele afirma que o ‘rap’ é a embolada dos brasileiros que perderam consciência de sua própria história cultural e popular.

Toda a agilidade mental, verbal e poética dos rappers está colada com a estória desconhecida da ‘embolada’, mas incorporada à estória de vida pessoal e familiar e que se vai passando na história familiar, sem que tenhamos consciência disso tudo.

É claro, que em nossas famílias negras, também temos um pé no samba-rock, mas músicas executadas nos bailes da periferia, durante os anos 70, enquanto se ouvia James Brown, Jorge Bem, Tim Maia e Cassiano. Esses formataram a proximidade entre a musica negra americana e a música brasileira, no período em que surgiram as bandas ‘Black Rio’ e os bailes promovidos pelas equipes que organizavam os bailes no São Paulo Chic e no Palmeiras.

Mas este corinthiano de pouco mais de vinte anos, Luiz Augusto Carvalho, Gutão, em bate-papo informal, reconheceu, denunciou e afirmou que o ‘rap’ trata da questão social e de classe e principalmente do racismo desta hipócrita sociedade brasileira. Para isso, ele lembrou a mensagem do seu querido Mano Brown, que coloca toda a revolta dele e do povo em suas letras, numa maneira de denunciar as formas de opressão social e racial do nosso país. Ele cita, “nossos motivos para lutar, ainda são os mesmos, o preconceito e o desprezo ainda são iguais. Nós somos negros, também temos nossos ideais. Racistas otários nos deixem em paz!” denunciar todo e qualquer tipo de racismo, deve fazer parte dos objetivos culturais que o Projeto Nosso Samba, como agrupamento de resistência na defesa da cultura popular.

O Gutão que tem apetite devorador, come de tudo, de jiló a pedra. Só bebe guaraná(diet) e tem além de seu ídolo Mano Brown, outros dois compositores mangueirenses entre os seus preferidos. Trata-se de Cartola e Nelson Cavaquinho. É curioso que a aspereza do Mano Brown permitiu que se conhecesse um lado mais emocionado e lírico do Gutão e para isso ele cita um outro mangueirense Carlos Cachaça (Não choro pra ninguém me ver sofrer de desgosto). Então fica provada sua origem mangueirense e sua disposição para estar sempre distribuindo sorrisos a todos que chegam no projeto, que o cumprimentam em respeito à sua dedicação ao Projeto Nosso Samba. Ele vinculou-se ao projeto, quando mudou-se para o Km18 e foi tomando um ‘refrigerante’ (estranho para um declarado boêmio), num botequim, conheceu um pessoal que fazia um samba que era raro de se ver em Osasco. Nessa roda estava o ‘mestre sala dos bares’ Vagner Alves. Aí ele que tem uma maneira particular de ‘pedir’ favores aos amigos falou desta maneira para o seu ‘mestre sala dos bares’ “Ô mano, amanhã eu vou trazer uma fita para você gravar só samba da antiga pra mim, falou? Se você não trouxer, eu arrebento com você, certo?” O mestre sala dos bares não pensou duas vezes, trouxe a fita bonitinha.

E desde esse dia, foram mais de quinze fitas gravadas pelo Vagninho, eles se fundiram em sambas e fitas e acabaram em um verdadeiro ‘é nois nas fitas!’. Ele pertence ao Projeto Nosso Samba, desde sua fundação, embora não se considere um dos seus idealizadores. Reconhece uma tristeza com o afastamento de alguns amigos, entre eles, é lógico o Caio Prado. Tem como sua maior alegria dentro do projeto: conhecer novas pessoas e conseqüentemente fazer amizades e conhecer o verdadeiro e bom samba brasileiro. Este é o Gutão, integrante histórico do Projeto Nosso Samba. Um partideiro preocupado com nossas dores sociais. Para ele deixamos este samba histórico de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida “Pra que discutir com madame : Madame diz que a vida não melhora, que a raça piora, por causa do samba. Madame diz que o samba é mistura de raça, mistura de cor. Madame diz que o samba devia acabar’ Se depender do Gutão o samba e o Projeto Nosso Samba nunca irão acabar.

Rubão
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[1] A idéia destes perfis é de permitir que nossas visitas possam conhecer um pouco mais da história dos integrantes do Projeto Nosso Samba.
[2] José Ramos Tinhorão, historiador e crítico musical da musica popular brasileira, publicou entre outras obras ‘Os sons que vem da rua’ e ‘Pequena história da Musica Popular Brasileira.

O Surdo

Foram batidas rigorosamente simétricas. Contava-se, um, dois, três, quatro, compassado com a contagem dos segundos, e aí, mais uma vez ouvia-se a batida. Um lamento cruel, silencioso, doloroso, provocando a fantástica imagem da dor. Levando-nos, imortais que somos, nós que fugimos do inevitável, ao silêncio fúnebre, ao cheiro de cravos, rosas, incensos e velas.

Naquele dia, o dia mais perverso do ano, o surdo, o regente da euforia dos grandes espetáculos, regia a tristeza. O coral composto por quinhentas vozes afinadas, quinhentas vozes de sambistas, entoava:

"...O samba não levanta mais poeira/ O asfalto hoje cobriu nosso chão/ Lembranças eu tenho da saracura (...) Bixiga hoje é só arranha-céu/ E não se vê mais a luz da lua..."

A música que outrora fizera vibrar as passarelas, agora era cantada lentamente como a batida do surdo. Bem-te-vis, homens, pombos, rolinhas e mulheres, tentavam esconder as lágrimas. Naquele momento o bandido mais desumano, caso lá se encontrasse, certamente teria sua alma persuadida.

Ao final da despedida, um forte silêncio se fez e as pessoas que se comprimiam na sala, saíram trazendo à frente, o surdo e sua dor. Em seguida, surgiram dois carros, como se fossem macas, compridos e altos, e sobre eles as coroas de flores foram colocadas. Era início do ano. Tempo em que o surdo começa a se aquecer. Tempo em que o grande povo trabalha a sua fantasia. E ali estava ele, melancólico, de luto, sem palavras. Inesperadamente, do meio do povo, como mágica, inúmeros estandartes brilhantes foram erguidos e de lá surgiram as mais formosas mulheres. Por mais que demostrassem tristeza e cansaço, seus rostos mantinham-se fielmente belos. Era à tarde e a alameda já se preparava para receber os últimos visitantes do dia. O carro das flores encabeçava o cortejo, vindo a seguir a ala das porta-bandeiras. Recendia na tarde o aroma das flores e o perfume das mulheres tristes. Impiedoso, o surdo permanecia no seu silêncio, carregando na sua dor, um ritmista do realismo mágico. Ali tudo era realismo.

Despedia-se de um companheiro. Um paulista-bexiguense. Um notável sambista. Um ilustre compositor de música brasileira. Geraldo Filme de Souza. O Geraldo Filme, da Escola de Samba Vai-Vai. Não houve discursos. Apenas aplausos e a lembrança da missa de sétimo dia. E, já distante, a dor do surdo.
Celso Alencar*
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* Poeta paraense radicado em São Paulo, autor de "O primeiro Inferno e Outros Poemas", "O Pastor", "Os Reis de Abaeté", "Arco Vermelho", "Salve, Salve" e outros.É membro do Conselho Municipal de Cultura e diretor da União Brasileira de Escritores

Para Seu Carlão do Peruche

Era agosto. Da Barra Funda, a gente pegava o trem e ia até a estaçãozinha de Barueri. Dali, cada qual como podia, faltava chão pela estrada dos Romeiros: uns de cavalo, outros de carro-de-boi, os mais humildes, a pé mesmo. Era época santa, época do Santo, Bom Jesus. Pirapora. O que se havia prometido, devia de ser cumprido, o que devia ser conseguido, havia de ser prometido. O Santo faz milagres. O Santo cura.

Mamãe, católica, me pegava num braço, rumo à missa. Papai, fagueiro, pegava no outro, ao barracão. O coração generoso de mamãe não vencia o braço forte de papai. Só depois de velho conheci a Igreja. Nasceu, jogou, caiu sentado é Padre, caiu de pé é Sambista. Assim as linhas tortas escrevem o nosso destino. E é preciso cair de pé para sobreviver. Tiririca faca de ponta, capoeira tem que pegá.

Lá dentro, gente dormia, gente cozinhava, a raça jongava. Mulheres de um lado, homens do outro. O chefe do samba punha a mão no bumbo, sinal de silêncio, atenção, o ponto é lançado: eu vi jogo de mão, eu vi jogo de pé, eu vi bola virá, eu não vi como é. Um mistério, quem não sabe não desata, deixa cantá. E o mistério tomava conta. Zé Soldado, Pai João, Zé Mundão, Isidoro, desafios de bamba, criança espreitava, a noite corria na areia. Enquanto nós bebe pinga essa samba não arreia.

Só assim pra aprender as mumunhas do samba e da arte da sobrevivência. Dos bailes nos porões do Bixiga, dançando com a cabeça curvada, até a minha primeira escola, a Lavapés, encarando os bambas mais sinistros para fazer valer a palavra da Nossa Madrinha Eunice, sapateei, perneei, saracoteei, naquele tempo as coisas eram na mão. Assim se faz um bamba, cidadão-samba. Da Barrela pra tirar as manchas da roupa, do domínio público pra tirar os hômi da área, do samba pra tirar a lua pro escuro do beco, da lata de graxa pra tirar o samba que a lua ilumina, de todos os esforços do mundo pra tirar a escola da quadra pra avenida. Alegrias ladinas, áfricas memórias.

Tempos idos, saudade e devoção me chamam à Pirapora. Não há mais barracão, mas o samba ainda pulsa nos requebros lúcidos de uma senhora louca, enquanto houverem moinhos, haverão quixotes. Meu olhar se perde, os olhos marejam. De repente um aperto no braço. É uma senhora: menino, tu não é filho de Zeca e Maria ? Desde então, percebi que o tempo não passa.
Marcelo A. Benedito

Seu Jair do Cavaquinho homenageado no PNS

Seu Jair do Cavaquinho homenageado no PNS!

É isso aí, gente boa gente! No Domingo dia 30 de março, ao que tudo indica, o Projeto Nosso Samba terá a honra de receber em seu terreiro, nada mais, nada menos que o grande mestre Seu Jair do Cavaquinho.

Para quem não sabe, trata-se de uma das mais importantes personagens da história do samba. Não é demais lembra que Seu Jair, integrou os primeiros e mais importantes conjuntos que vieram a forjar o samba como a essência da música brasileira. Participou no Rosa de Ouro, no A Voz do Morro e também no Os Cinco Crioulos.

Dividiu palco com bambas de alto quilate como: Paulinho da Viola, Zé Ketti, Nelson Sargento, Elton Medeiros e Mauro Duarte e foi considerado por Jacob do Bandolim o melhor cavaquinista de samba.

Atualmente, Seu Jair é integrante da Velha Guarda da Portela e nos dias 28 e 29 de março, sexta e sábado próximos, as 22h00, se apresentará, acompanhado pela excelente rapaziada do conjunto Samba Raro, no Világgio Café, sitiado no Bixiga, na Praça Dom Orione, 298 entre as ruas 13 de maio e Rui Barbosa, fone: (11) 251-3730, couvert R$ 15,00.