quarta-feira, 30 de abril de 2003

Carlão do Peruche

Carlos Alberto Caetano, o Carlão do Peruche, é um sambista que habitou os mais tortuosos e espinhentos caminhos do roçado do bom Deus. Ele não só conhece todos os becos, todas as esquinas onde haveria uma batucada, como empenhou sua vida, sua disciplina, sua dedicação para elevar o respeito, a dignidade para com o samba paulista. Não existe escola de samba, bloco de sujo, bloco de esfarrapado, escolas que surgiram e desapareceram, que não puderam contar com a camaradagem do Carlão.

Conhecedor absoluto das quebradas do mundaréu, lá onde a praga bota os ovos, lá onde a dor é constante, lá onde ficam os desamparados de nossa terra, em alguma esquina, nas madrugadas hoje sem garoa... Onde pode-se encontrar um grupo de rapazes com um surdo, um repique, um cavaco e um tamborim, resistindo e levando a alegria no coração das pessoas simples.

Na geografia das escolas paulistas, todas as escolas de samba de norte a sul de São Paulo, contaram com a visita amiga e sempre positiva do Carlão. Sem falar da sua fiel amada, a escola de Samba ‘Unidos do Peruche’. Durante os tempos sombrios da ditadura militar, Carlão integrou o grupo teatral que ficou conhecido como ‘O Bando’ do Plínio Marcos. Este ‘Bando’, termo pejorativo, era formado por um grupo de compositores de escolas de samba, entre eles Geraldo Filme, Talismã, Toniquinho Batuqueiro, que representavam personagens no espetáculo ‘Barrela’ de Plínio Marcos.

O espetáculo que se passava no interior de uma cadeia, era uma oportunidade para se denunciar a brutalidade de nossas condições carcerárias, sempre presente nos trabalhos do Plínio e como todos sabemos, nas prisões brasileiras até hoje, só encontramos pretos e pobres. Quando o espetáculo era proibido pela polícia de ser apresentado, tornava-se uma roda de samba.

A roda de samba era uma oportunidade daqueles sambistas mostrarem seus trabalhos e uma oportunidade para o Plínio debater com o público e fazer denúncias sobre as perseguições que todos os artistas sofriam. Este ‘Bando’ era visto distribuindo nas ruas do centro e periferia, filipetas de divulgação do espetáculo juntos atores e compositores, sempre seguidos de perto pela polícia política.

Era um tempo de resistência e o Carlão novamente, mostrando sua firmeza, sua paciência, sempre dando ao samba , a dignidade que o samba merece. Ele tem muitas estórias que vêm desde o tempo das romarias para Pirapora, dos bailões nos porões do Bexiga, da Banda Bandalha, depois a Banda Redonda, Escola de Samba Lavapés, o Bloco dos Esfarrapados do Armandinho do Bexiga e todos aqueles que tentavam tomar as ruas de volta para o povo. Ele tem sua estória escrita nas calçadas de São Paulo, junto a todos aqueles que pisaram firme o chão de nossa cidade clamando justiça.

A justa homenagem que o programa, Sambas de Bumbo e Bambas do Samba, que o SESC IPIRANGA faz a este senhor e a todos os grupos e comunidades participantes, é uma possibilidade histórica de reparar-se uma injustiça com a história de nossa cultura popular e permitir que todos aqueles que amam a cultura popular, conhecer este homem lendário, cidadão samba, titulo que muito o honrou, construído entre a gente simples do nosso povo.

Quando o pessoal descobria onde estava tendo um samba bom, o Carlão do Peruche, já tinha estado lá há muito tempo! Esse é o Carlão!
Rubens Grego (Rubão)

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