Era agosto. Da Barra Funda, a gente pegava o trem e ia até a estaçãozinha de Barueri. Dali, cada qual como podia, faltava chão pela estrada dos Romeiros: uns de cavalo, outros de carro-de-boi, os mais humildes, a pé mesmo. Era época santa, época do Santo, Bom Jesus. Pirapora. O que se havia prometido, devia de ser cumprido, o que devia ser conseguido, havia de ser prometido. O Santo faz milagres. O Santo cura.
Mamãe, católica, me pegava num braço, rumo à missa. Papai, fagueiro, pegava no outro, ao barracão. O coração generoso de mamãe não vencia o braço forte de papai. Só depois de velho conheci a Igreja. Nasceu, jogou, caiu sentado é Padre, caiu de pé é Sambista. Assim as linhas tortas escrevem o nosso destino. E é preciso cair de pé para sobreviver. Tiririca faca de ponta, capoeira tem que pegá.
Lá dentro, gente dormia, gente cozinhava, a raça jongava. Mulheres de um lado, homens do outro. O chefe do samba punha a mão no bumbo, sinal de silêncio, atenção, o ponto é lançado: eu vi jogo de mão, eu vi jogo de pé, eu vi bola virá, eu não vi como é. Um mistério, quem não sabe não desata, deixa cantá. E o mistério tomava conta. Zé Soldado, Pai João, Zé Mundão, Isidoro, desafios de bamba, criança espreitava, a noite corria na areia. Enquanto nós bebe pinga essa samba não arreia.
Só assim pra aprender as mumunhas do samba e da arte da sobrevivência. Dos bailes nos porões do Bixiga, dançando com a cabeça curvada, até a minha primeira escola, a Lavapés, encarando os bambas mais sinistros para fazer valer a palavra da Nossa Madrinha Eunice, sapateei, perneei, saracoteei, naquele tempo as coisas eram na mão. Assim se faz um bamba, cidadão-samba. Da Barrela pra tirar as manchas da roupa, do domínio público pra tirar os hômi da área, do samba pra tirar a lua pro escuro do beco, da lata de graxa pra tirar o samba que a lua ilumina, de todos os esforços do mundo pra tirar a escola da quadra pra avenida. Alegrias ladinas, áfricas memórias.
Tempos idos, saudade e devoção me chamam à Pirapora. Não há mais barracão, mas o samba ainda pulsa nos requebros lúcidos de uma senhora louca, enquanto houverem moinhos, haverão quixotes. Meu olhar se perde, os olhos marejam. De repente um aperto no braço. É uma senhora: menino, tu não é filho de Zeca e Maria ? Desde então, percebi que o tempo não passa.
Mamãe, católica, me pegava num braço, rumo à missa. Papai, fagueiro, pegava no outro, ao barracão. O coração generoso de mamãe não vencia o braço forte de papai. Só depois de velho conheci a Igreja. Nasceu, jogou, caiu sentado é Padre, caiu de pé é Sambista. Assim as linhas tortas escrevem o nosso destino. E é preciso cair de pé para sobreviver. Tiririca faca de ponta, capoeira tem que pegá.
Lá dentro, gente dormia, gente cozinhava, a raça jongava. Mulheres de um lado, homens do outro. O chefe do samba punha a mão no bumbo, sinal de silêncio, atenção, o ponto é lançado: eu vi jogo de mão, eu vi jogo de pé, eu vi bola virá, eu não vi como é. Um mistério, quem não sabe não desata, deixa cantá. E o mistério tomava conta. Zé Soldado, Pai João, Zé Mundão, Isidoro, desafios de bamba, criança espreitava, a noite corria na areia. Enquanto nós bebe pinga essa samba não arreia.
Só assim pra aprender as mumunhas do samba e da arte da sobrevivência. Dos bailes nos porões do Bixiga, dançando com a cabeça curvada, até a minha primeira escola, a Lavapés, encarando os bambas mais sinistros para fazer valer a palavra da Nossa Madrinha Eunice, sapateei, perneei, saracoteei, naquele tempo as coisas eram na mão. Assim se faz um bamba, cidadão-samba. Da Barrela pra tirar as manchas da roupa, do domínio público pra tirar os hômi da área, do samba pra tirar a lua pro escuro do beco, da lata de graxa pra tirar o samba que a lua ilumina, de todos os esforços do mundo pra tirar a escola da quadra pra avenida. Alegrias ladinas, áfricas memórias.
Tempos idos, saudade e devoção me chamam à Pirapora. Não há mais barracão, mas o samba ainda pulsa nos requebros lúcidos de uma senhora louca, enquanto houverem moinhos, haverão quixotes. Meu olhar se perde, os olhos marejam. De repente um aperto no braço. É uma senhora: menino, tu não é filho de Zeca e Maria ? Desde então, percebi que o tempo não passa.
Marcelo A. Benedito
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