Embu, Embu das artes. É logo ali. Quem lá chega aos domingos, dia de grande movimento de turistas, não imagina que está diante da concretização do sonho de artistas negros, dentre os quais o grande poeta Solano Trindade, o moleque do Recife; pesquisador das nossas tradições populares, teatrólogo, pintor e boêmio; um ser humano de grande carisma e visão, para quem a arte representava parte essencial da vida.
O palco é Recife, 1908. Bairro São José, no dia 24 de julho, nasceu Solano. Filho do sapateiro Manuel Abílio que dançava Pastoril e Bumba-meu-boi. Solano o acompanhava. Já sua mãe, Emerenciana, quituteira e operária, pedia que lesse para ela novelas, literatura de cordel e poesia romântica. Daí é fácil compreender o fascínio... Os olhos do menino brilhando diante do espetáculo que a cultura popular proporcionava.
Cena 1: 1934. Realização do I e II Congressos Afro-Brasileiros no Recife e em Salvador. Solano participa dos dois. A década de 30 é marcada por uma releitura da questão racial brasileira, especialmente depois que Gilberto Freyre lança seu Casa Grande & Senzala. Intelectuais brancos tendem a valorizar a contribuição cultural dos descendentes de africanos.
Cena 2: 1936. Solano funda o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana, uma extensão da Frente Negra Brasileira. Publica os seus Poemas Negros.
Cena 3: Inquieto, Solano viaja para Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de janeiro. Criou grupos teatrais e comitês de arte popular, folclore e cultura afro-brasileira. Teve a seu lado gente como Abdias Nascimento e Haroldo Costa dentre outros. Atuou em filmes e foi filiado ao Partido Comunista. Na sua casa ocorriam reuniões, da célula Tiradentes. Perseguido no governo Dutra, teve a casa invadida e exemplares de seus livros apreendidos. Preso, não se abalou... Ao sair estava fortalecido. Seu interesse pela cultura popular ia além da teoria. Dizia ser necessário pesquisar nas fontes de origem e devolver ao povo em forma de arte. Neste sentido, sua experiência mais bem sucedida foi o Teatro Popular Brasileiro - TPB, criado por ele, por sua esposa Margarida Trindade e pelo sociólogo Édison Carneiro em 1950. O TPB, formado por operários, estudantes, gente do povo fazia, uma leitura séria de danças como maracatu e bumba-meu-boi. Também promovia cursos de interpretação e dicção e mostrou seu trabalho em vários países europeus.
De volta ao Brasil, Solano vem a São Paulo e, convidado pelo escultor Assis para apresentar-se no Embu, apaixona-se pelo lugar, para onde e muda e sua casa torna-se uma núcleo artístico.
Embora na cidade já houvesse um movimento artístico, é a atividade de Solano e Assis que faz surgir a feira de artesanato e revoluciona o local.Solano chegou a ser conhecido como "o patriarca do Embu". Sua casa e seu coração estavam sempre prontos para receber as pessoas. Na panela, havia comida para quem chegasse, a qualquer hora.
Ironicamente, no final de sua vida, muitos desses amigos se afastaram... Mas talvez este seja o cruel destino de alguns grandes criadores, de profetas e poetas assinalados. A poesia de Solano o marcou. Orgulhava-se ser chamado de "poeta negro". Na poesia afirma sua descendência, mostra orgulho:
Sou negro / meus avós foram queimados pelo sol da África / minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs.
Último ato: Solano deu-se completamente à arte e à vida, não teve bens materiais. Acumulou inimigos e desilusões, foi se amargurando. Morreu no Rio, em 1974. Em 1976, em São Paulo, foi tema da escola de samba Vai-Vai, com enredo elaborado por sua filha Raquel. Os versos do samba de Geraldo Filme ainda ecoam: Canta meu povo, vamos cantar em homenagem ao poeta popular Vai-Vai é povo, está na rua saudoso poeta, a noite é sua.
Sua máxima, "devolver ao povo em forma de arte" inspirou a escola de samba Quilombo, do Rio de Janeiro. Solano deixou livros publicados; deixou peças de poemas... Deixou, acima de tudo, exemplos de sabedoria e lições para que o povo negro se orgulhe das suas origens étnicas e de suas tradições culturais. Possuía a felicidade dos homens que se dedicam a uma grande obra e se confundem com ela. Quase no fim da vida, afirmou a necessidade de maior solidariedade entre os negros de todo o mundo, os quais deveriam se reunir aos brancos que são contra o racismo. Solano vive na obra que deixou; emtodos aqueles(as) que resistem...
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Excerto do texto: HISTÓRIA DE VIDA de Márcio Barbosa
O palco é Recife, 1908. Bairro São José, no dia 24 de julho, nasceu Solano. Filho do sapateiro Manuel Abílio que dançava Pastoril e Bumba-meu-boi. Solano o acompanhava. Já sua mãe, Emerenciana, quituteira e operária, pedia que lesse para ela novelas, literatura de cordel e poesia romântica. Daí é fácil compreender o fascínio... Os olhos do menino brilhando diante do espetáculo que a cultura popular proporcionava.
Cena 1: 1934. Realização do I e II Congressos Afro-Brasileiros no Recife e em Salvador. Solano participa dos dois. A década de 30 é marcada por uma releitura da questão racial brasileira, especialmente depois que Gilberto Freyre lança seu Casa Grande & Senzala. Intelectuais brancos tendem a valorizar a contribuição cultural dos descendentes de africanos.
Cena 2: 1936. Solano funda o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana, uma extensão da Frente Negra Brasileira. Publica os seus Poemas Negros.
Cena 3: Inquieto, Solano viaja para Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de janeiro. Criou grupos teatrais e comitês de arte popular, folclore e cultura afro-brasileira. Teve a seu lado gente como Abdias Nascimento e Haroldo Costa dentre outros. Atuou em filmes e foi filiado ao Partido Comunista. Na sua casa ocorriam reuniões, da célula Tiradentes. Perseguido no governo Dutra, teve a casa invadida e exemplares de seus livros apreendidos. Preso, não se abalou... Ao sair estava fortalecido. Seu interesse pela cultura popular ia além da teoria. Dizia ser necessário pesquisar nas fontes de origem e devolver ao povo em forma de arte. Neste sentido, sua experiência mais bem sucedida foi o Teatro Popular Brasileiro - TPB, criado por ele, por sua esposa Margarida Trindade e pelo sociólogo Édison Carneiro em 1950. O TPB, formado por operários, estudantes, gente do povo fazia, uma leitura séria de danças como maracatu e bumba-meu-boi. Também promovia cursos de interpretação e dicção e mostrou seu trabalho em vários países europeus.
De volta ao Brasil, Solano vem a São Paulo e, convidado pelo escultor Assis para apresentar-se no Embu, apaixona-se pelo lugar, para onde e muda e sua casa torna-se uma núcleo artístico.
Embora na cidade já houvesse um movimento artístico, é a atividade de Solano e Assis que faz surgir a feira de artesanato e revoluciona o local.Solano chegou a ser conhecido como "o patriarca do Embu". Sua casa e seu coração estavam sempre prontos para receber as pessoas. Na panela, havia comida para quem chegasse, a qualquer hora.
Ironicamente, no final de sua vida, muitos desses amigos se afastaram... Mas talvez este seja o cruel destino de alguns grandes criadores, de profetas e poetas assinalados. A poesia de Solano o marcou. Orgulhava-se ser chamado de "poeta negro". Na poesia afirma sua descendência, mostra orgulho:
Sou negro / meus avós foram queimados pelo sol da África / minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs.
Último ato: Solano deu-se completamente à arte e à vida, não teve bens materiais. Acumulou inimigos e desilusões, foi se amargurando. Morreu no Rio, em 1974. Em 1976, em São Paulo, foi tema da escola de samba Vai-Vai, com enredo elaborado por sua filha Raquel. Os versos do samba de Geraldo Filme ainda ecoam: Canta meu povo, vamos cantar em homenagem ao poeta popular Vai-Vai é povo, está na rua saudoso poeta, a noite é sua.
Sua máxima, "devolver ao povo em forma de arte" inspirou a escola de samba Quilombo, do Rio de Janeiro. Solano deixou livros publicados; deixou peças de poemas... Deixou, acima de tudo, exemplos de sabedoria e lições para que o povo negro se orgulhe das suas origens étnicas e de suas tradições culturais. Possuía a felicidade dos homens que se dedicam a uma grande obra e se confundem com ela. Quase no fim da vida, afirmou a necessidade de maior solidariedade entre os negros de todo o mundo, os quais deveriam se reunir aos brancos que são contra o racismo. Solano vive na obra que deixou; emtodos aqueles(as) que resistem...
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Excerto do texto: HISTÓRIA DE VIDA de Márcio Barbosa
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