segunda-feira, 5 de outubro de 2009

SAMBA E SUAS ORIGENS

(Francisco Crozera)

Pensar em termos históricos a formação do que hoje conhecemos como samba, tem suscitado algumas polêmicas entre os estudiosos da matéria. Alguns tentam sublimar suas origens africanas, dando ênfase ao processo de miscigenação sócio-cultural, como se não importasse discutir as origens mais remotas do samba, e sim sua formação como gênero brasileiro, tão ligadas à cidade, à indústria cultural quanto às tradições afro-brasileiras (Vianna).

No entanto, o Projeto Nosso Samba, entendendo que o samba é mais do que simplesmente um gênero musical, sempre enfatizou a importância das origens africanas no samba, e como elas ainda estão presentes nos dias de hoje.

Na África-negra tradicional, não é possível entender a música como algo apartado da cosmologia, dos ritos, do modo de vida daquelas sociedades. Tudo está interligado, de tal forma que não é possível compreender qualquer aspecto da vida de forma isolada. As canções entoadas em meio ao som dos tambores operam, tanto no plano cósmico, como no plano cotidiano. A música, além do seu lado recreativo e de descrição do cotidiano, reforça o sentimento de grupo, os ensinamentos ancestrais, as mitologias, além de colocar os seus membros em contato com o sagrado. O próprio tambor, essencial nessas sociedades, é instrumento que evoca os espíritos ancestrais.

No período colonial, o tráfico de escravos trouxe ao Brasil milhares de africanos, em sua maioria Bantos (região de Angola, Congo e adjacências). Apesar de no processo de escravização, os africanos serem separados da sua etnia de origem - os Bantos eram compostos por diversas etnias - tendo que aqui recriar sua cultura, os ritmos e danças africanas, que os portugueses denominavam de “batuques”, tornaram-se presentes em solo brasileiro. Acompanhando o processo de colonização podemos perceber alguns traços marcantes da cultura africana nas diversas regiões do país. O improviso, o refrão puxado pelo coro, a presença do tambor, que marcam a música africana, tem forte difusão no país devido à presença da mão de obra escrava no período colonial. Assim, vemos que ela se espalhou pelo território de acordo com os ciclos econômicos da era colonial; nos engenhos de cana, na mineração, nas fazendas de café. Como resultado, temos uma diversidade cultural criada pelos escravos negros em diversas regiões do Brasil: o samba de roda, a chula, no Recôncavo Baiano; o coco, a embolada, o maracatu, no nordeste; o Jongo, o Caxambu, o Calango, o Samba Rural, no sudeste, entre muitos outros.

Com o surgimento das cidades, essa tradição cultural, passada oralmente de geração a geração, influencia a formação da chamada “música popular”, constituída pelos elementos: autores conhecidos, gravações fonográficas, partituras, divulgação por meios gráficos e público consumidor. A partir de então, a cultura afro-brasileira, mais notadamente o samba, torna-se, vulgarmente, gênero musical. Mesmo com esse processo deflagrado pela chamada indústria cultural, o Samba entendido como cultura persiste como forma de resistência, tal qual o Projeto Nosso Samba concebe como sua razão de existência.

A roda de “samba tem preceito e fundamento”. Existem elementos na roda que remetem a africanidade, desde a oralidade até o respeito aos mais velhos que transmitem a sua sabedoria. Quem é novo e pretende entrar numa roda, deve primeiro observá-la de fora, aprender e aos poucos ser reconhecido pelo grupo ganhando seu espaço. Além disso, a própria disposição das pessoas em forma de roda, tem grande significado. Numa roda todos se olham, todos se escutam, é um momento de partilha, onde o coletivo predomina sobre o individual. Admito que hoje em dia, essas rodas são cada vez mais raras, mas sem elas não existiria o Samba.

Em suma, a essência do Samba nos remete ao significado dado a música pela cultura africana, e que está presente em todas as manifestações da cultura negra no Brasil. O Projeto Nosso Samba busca, na medida do possível, explorar as diversas veias dessa cultura, em toda sua riqueza e variedade. Por mais ataques, preconceitos, expropriações que a cultura negra tenha sofrido ao longo dos séculos no Brasil, ela persiste firme e forte como um baobá no centro da aldeia onde, sob sua sombra, são retransmitidos os mais altos valores humanos.


Bibliografia:
Lopes, Nei. Partido Alto: Samba de Bamba. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.
Tinhorão, José Ramos. Pequena História da Música Popular. São Paulo: Círculo do Livro, s.d.

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